Pra ressucitar o blog, intermeio entre o frio e o calor de maio, a primeira parte de um conto a la noir. Rock'n'Roll e decadência (e nem estamos em agosto):
Entre Ratos e Crocodilos
Lá vou eu, novamente a pé, à casa de Laureen. O
vento é como as serpentes de Medusa sobre meu rosto. Não
está verdadeiramente frio. A leve garoa faz parecer que é
mais tarde. A desilusão dessa impressão é o
movimento das ruas. Rush vespertino. Aqui e ali tenho que me desviar
de alguma senhora baixinha olhando para baixo, desviando os olhos da
umidade. Hoje é sexta-feira. Levemente fria, levemente úmida.
Meu sobretudo está pesado na parte inferior. Não sei
porque ainda não comprei um carro. Talvez por causa da
garoa...
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Somewhere Down the Road, Angela Bacon-Kidwell |
Um prédio encardido no meio do centro da cidade. Chego em
frente à porta de entrada do minúsculo prédio de
apartamentos. Do outro lado da rua há uma cafeteria de quinta.
Exito um segundo antes de entrar no real objetivo dessa caminhada. Um
café com rum viria bem. Sempre vai bem. Ainda esgelho o olhar
pela fachada do mini cinema ao lado da cafeteria. “Os Cegos do
Paraíso”, diz o cartaz. Deve ser mais uma impressionante
comédia romântica, que eles vivem passando na matinée.
Ou pornô. Vai saber. Subo as escadas estreitas. Sorte minha que
o vizinho de baixo não está descendo. O cara deve pesar
uns duzentos quilos. Ocupa todos os lados da escada. Um dos dois
teria que recuar, e depois eu teria que subir até o andar de
Laureen respirando pela boca. Irrc!
Laureen está ouvindo salsa de novo. Faz duas semanas que
entrou nessa onda e ainda não desistiu de aprender a dançar.
Odeio esse tipo de música, mas ela fica uma gracinha com
aquela mini-saia. Quando entro, ela está toda suada, a vizinha
do lado ouve um velho rock and roll. Aqui dentro um frio de gelar a alma enquanto a chuva cai fina do outro lado das paredes. Fico pensando em sensações
térmicas e temperatura real. Lembro da época em que ela
entrou na moda da lambada. A mesma sensação de agora.
Só espero que ela não descubra o Frevo.
“Frio aí fora?” ela me pergunta de sobrolho. Adoro o jeito
com que ela faz isso. Meio de lado, com uma pitada de sarcasmo no “aí
fora”. Respondo com um sorriso. Sempre respondo com um sorriso
quando ela faz isso. É esse jeito de me provocar que faz com
que eu ainda venha todos os dias até a sua casa. Tenho uma
queda violenta pelo seu humor sagaz. Isso e o vento.
Laureen vem até mim conservando o rebolado da dança.
Seus quadris remexem como um sino de igreja. Agarro seu corpo úmido
e dou meu melhor beijo estilo Humphrey Bogart. Ela se enrosca em mim
como uma serpente, sua língua vasculhando o interior de minha
boca. Instantaneamente sinto seu calor e o sobretudo fica pesado
sobre meus ombros. Levo-a até o quarto ouvindo o som da garoa
transformando-se em chuva. As considerações sobre os
motivos que me trazem até aqui desaparecem, não consigo
pensar em mais nada. Na penumbra do quarto, as vidraças
fustigadas pela chuva, acaricio seu corpo lânguido e sinto o
arfar de seu peito. Nada mais importa.
Laureen estremece pela quarta vez. Faço o mesmo e entrego-me
aos seus braços. A chuva lá fora cai intermitente.
Depois de um momento sentindo o movimento de seu peito, viro-me de
costas na cama e deixo que ela levante. Trabalho duro pela frente.
Ela pula da cama e vai para o banheiro tomar uma ducha. O som do
chuveiro mistura-se com o da chuva. Em meu rosto um leve sorriso
aflora. O céu crepuscular lança sua obscuridade sobre a
janela. Ouço o chuveiro ser desligado. Laureen entra com seu
corpo perfeito, macio e quente. Um leve vapor eleva-se de seus poros.
Observo suas curvas e seus movimentos enquanto ela se veste. “Já
é hora. Comporte-se, gatinho”, ela me diz em meio a um
sorriso. Beija meu rosto e sai. Quando ouço a porta se fechar,
saio da cama como um torpedo e começo o meu
trabalho.
(continua..)
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