sábado, 19 de maio de 2012

Entre Ratos e Crocodilos


Pra ressucitar o blog, intermeio entre o frio e o calor de maio, a primeira parte de um conto a la noir. Rock'n'Roll e decadência (e nem estamos em agosto):

Entre Ratos e Crocodilos

Lá vou eu, novamente a pé, à casa de Laureen. O vento é como as serpentes de Medusa sobre meu rosto. Não está verdadeiramente frio. A leve garoa faz parecer que é mais tarde. A desilusão dessa impressão é o movimento das ruas. Rush vespertino. Aqui e ali tenho que me desviar de alguma senhora baixinha olhando para baixo, desviando os olhos da umidade. Hoje é sexta-feira. Levemente fria, levemente úmida. Meu sobretudo está pesado na parte inferior. Não sei porque ainda não comprei um carro. Talvez por causa da garoa...
Somewhere Down the Road, Angela Bacon-Kidwell
Um prédio encardido no meio do centro da cidade. Chego em frente à porta de entrada do minúsculo prédio de apartamentos. Do outro lado da rua há uma cafeteria de quinta. Exito um segundo antes de entrar no real objetivo dessa caminhada. Um café com rum viria bem. Sempre vai bem. Ainda esgelho o olhar pela fachada do mini cinema ao lado da cafeteria. “Os Cegos do Paraíso”, diz o cartaz. Deve ser mais uma impressionante comédia romântica, que eles vivem passando na matinée. Ou pornô. Vai saber. Subo as escadas estreitas. Sorte minha que o vizinho de baixo não está descendo. O cara deve pesar uns duzentos quilos. Ocupa todos os lados da escada. Um dos dois teria que recuar, e depois eu teria que subir até o andar de Laureen respirando pela boca. Irrc!
Laureen está ouvindo salsa de novo. Faz duas semanas que entrou nessa onda e ainda não desistiu de aprender a dançar. Odeio esse tipo de música, mas ela fica uma gracinha com aquela mini-saia. Quando entro, ela está toda suada, a vizinha do lado ouve um velho rock and roll. Aqui dentro um frio de gelar a alma enquanto a chuva cai fina do outro lado das paredes. Fico pensando em sensações térmicas e temperatura real. Lembro da época em que ela entrou na moda da lambada. A mesma sensação de agora. Só espero que ela não descubra o Frevo.
“Frio aí fora?” ela me pergunta de sobrolho. Adoro o jeito com que ela faz isso. Meio de lado, com uma pitada de sarcasmo no “aí fora”. Respondo com um sorriso. Sempre respondo com um sorriso quando ela faz isso. É esse jeito de me provocar que faz com que eu ainda venha todos os dias até a sua casa. Tenho uma queda violenta pelo seu humor sagaz. Isso e o vento.
Laureen vem até mim conservando o rebolado da dança. Seus quadris remexem como um sino de igreja. Agarro seu corpo úmido e dou meu melhor beijo estilo Humphrey Bogart. Ela se enrosca em mim como uma serpente, sua língua vasculhando o interior de minha boca. Instantaneamente sinto seu calor e o sobretudo fica pesado sobre meus ombros. Levo-a até o quarto ouvindo o som da garoa transformando-se em chuva. As considerações sobre os motivos que me trazem até aqui desaparecem, não consigo pensar em mais nada. Na penumbra do quarto, as vidraças fustigadas pela chuva, acaricio seu corpo lânguido e sinto o arfar de seu peito. Nada mais importa.

Laureen estremece pela quarta vez. Faço o mesmo e entrego-me aos seus braços. A chuva lá fora cai intermitente. Depois de um momento sentindo o movimento de seu peito, viro-me de costas na cama e deixo que ela levante. Trabalho duro pela frente. Ela pula da cama e vai para o banheiro tomar uma ducha. O som do chuveiro mistura-se com o da chuva. Em meu rosto um leve sorriso aflora. O céu crepuscular lança sua obscuridade sobre a janela. Ouço o chuveiro ser desligado. Laureen entra com seu corpo perfeito, macio e quente. Um leve vapor eleva-se de seus poros. Observo suas curvas e seus movimentos enquanto ela se veste. “Já é hora. Comporte-se, gatinho”, ela me diz em meio a um sorriso. Beija meu rosto e sai. Quando ouço a porta se fechar, saio da cama como um torpedo e começo o meu trabalho.

(continua..)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Pequeno Haikai

Sob tua sombra
Devaneio
Sobre_tudo.

domingo, 18 de julho de 2010

Renaissance

VIDA OBSCURA

Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,

Ó ser humilde entre os humildes seres.

Embriagado, tonto dos prazeres,

O mundo para ti foi negro e duro.


Atravessaste num silêncio escuro

A vida presa a trágicos deveres

E chegaste ao saber de altos saberes

Tornado-te mais simples e mais puro.


Ninguém te viu o sentimento inquieto,

Magoado, oculto e aterrador, secreto,

Que o coração te apunhalou no mundo.


Mas eu que sempre te segui os passos

Sei que cruz infernal prendeu-te os braços

E o teu suspiro como foi profundo!


Cruz e Souza

sábado, 22 de agosto de 2009

A ÁRVORE DA SERRA

— As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá‐la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!

— Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh'alma! ...

— Disse — e ajoelhou‐se, numa rogativa:
"Não mate a árvore, pai, para que eu viva!"
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!
Augusto dos Anjos

Insana madrugada insône... em companhia de Mark Ryden e Augusto dos Anjos...

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Hitchcock no Divã


Acabo de assitir Spellbound (cujo título em português ficou o grotesco "Quando Fala o Coração"), de Alfred Hitchcock, suspense de 1945, bem antes dos clássicos que o renomam até hoje. Logo nos créditos iniciais aparece o nome de Ingrid Bergman, o que causa uma boa impressão, sem sombra de dúvida. Logo em seguida Salvador Dalí é mencionado como inspirador para a sequência de sonhos que aprecerá no decorrer da trama. Fechando os dois primeiros minutos de película, um prêambulo nos avisa que a história a seguir falará sobre a psicanálise, recheando nossas mentes de expectativa. Afinal, o que esperar de Hitchcock, Salvador Dalí e psicanálise reunidos em uma só história? Porém, logo na sequência inicial, a expectativa é quebrada por atuações que de longe destoam daquelas que nós, expectadores contemporâneos, estamos acostumados. O estilo teatral dos atores soa forçado, suas reações não parecem vir do âmago, a magia se quebra ao ver mudanças de comportamento bruscas em personagens que deveriam ser mais aprofundados. Os atores se movem como estátuas, ou melhor, marionetes, pelo cenário. Nesse ponto se pensa: mais um filme água com açúcar dos anos quarenta... E a impressão vai se reforçando com o passar do enredo. Fica pior quando o personagem central chega e ocorre o clássico envolvimento com a mocinha da história. Aqueles closes típicos dos filmes preto e branco dos anos quarenta se repetem incessantemente e a história parece não se sustentar. Passados trinta minutos da trama, não só a história do personagem central se torna aparentemente óbvia, como também cresce a inquietação para que a tal sequência de sonhos inspirada em Dalí apareça de uma vez para tentar salvar alguma coisa do filme. Ou seja, decepção completa. Embora Hitchcock tenha produzido obras geniais, fica parecendo que seu início foi um pouco obscuro, com romances mal concatenados enveredando para o que de mais básico se fazia em Hollywood naquela época. Nesse ponto segue-se uma fuga do hospital psiquiátrico onde até então a história se deseronlava. Os personagens vão para Nova Iorque e a célebre aparição do diretor, aos trinta e oito minutos do filme parece marcar uma diferenciação no tratamento do enredo. As atuações já não parecem mais tão forçadas, talvez pelo acomodamento de situações gerados pela repetição (algo como Dogville, de Lars von Trier). O ambiente cosmopolita de Nova Iorque impele ao surgimento de personagens mais amadurecidos (salvo o segurança do hotel onde o casal se encontra, que é totalmente inverossímel).
É depois de aparecer na tela que Hitchcock começa a aparecer atrás da tela. A primeira cena realmente tensa do filme ocorre quando os dois chegam à casa do Dr Bulov, brilhantemente interpretado por Michael Chekhov, que forja uma paródia divertidíssima de Freud. Só esse personagem já apaga qualquer impressão ruim deixada nos sessenta minutos anteriores. As cenas na casa do professor agora são típicamente hitchcockianas, com sequências e frames de "cortar" o fôlego. A cena em que o personagem de Gregory Peck olha o professor através do copo de leite é magnifica. E logo em seguida, a tão esperada sequência de sonhos. Não há palavras com as quais descrever a beleza com que os diretores de arte reproduziram os arquétipos e estereótipos de Salvador Dalí. A sequência é realmente fascinante, aliada à narração em off, assume um caráter de suspense magnífico. São apenas cem segundos de imagens oníricas, mas o regogizo que elas proporcionam é imensurável. Não bastasse isso, o filme continua crescendo, restando apenas vinte minutos para o final. O que outrora parecia uma forma desleixada de tratar a psicanálise, mostra-se então, principalmente na figura do Dr. Brulov, de forma totalmente aceitável e compreensível, lembrando sempre que esse é um dos primeiros filmes hollywoodianos a falar sobre o tema. O personagem central descobre a origem de seu trauma com uma cena impressionante (principalmente para os padrões da época) e o mistério todo é resolvido à melhor maneira detetivesca, explicitando, por sinal, seu forte flerte com o cinema noir.
Enfim, uma trama que inicia medíocre, provavelmente visando a grande massa de espectadores, acaba se revelando complexa e tensa ao melhor estilo Hitchcock de fazer cinema. Crescendo sutilmente aos olhos do espectador, cercando-o aos poucos, para, subto, abocanhá-lo dentro de um enredo magistralmente tecido. Esse é um excelente exemplo de como funcionava a mente calculista do diretor. Hitchcock não queria ser um diretor para poucos, um "cult". Ele sabia manejar o público de maneira sagaz; qualquer público. E vendo seus filmes, até parece brincadeira de criança...




Spellbound
(EUA, 1945)

Direção: Alfred Hitchcock
Adaptação: Angus MacPhail sobre romance de Francis Beeding
Roteiro: Ben Hecht
Fotografia: George Barnes
Produção: David O. Selznick
Direção de Arte: James Basevi

Elenco:

Ingrid Bergman............Dr. Constance Petersen
Gregory Peck...............John Ballantine/Dr. Antony Edwards
Michael Chekhov.........Dr. Alexander Brulov
Leo G Carroll................Dr. Murchinson

sábado, 8 de agosto de 2009

Companhia para uma noite chuvosa




End of the Line, filme "pró-apocalíptico" de Maurice Deveroux. Roteiro inteligente para um tema desgastado, o diretor consegue nos deixar agarrados à poltrona do início ao fim do espetáculo. Já nos primeiros minutos uma cena impactante dá o teor da história: é bem mais do que um mero filme trash.

Em breve (talvez) farei uma resenha digna dessa história de horror, ao mesmo tempo clássica e contemporânea, com spoilers e tudo o mais... Enquanto isso não acontece, fica a sugestão: assistam em uma noite fria e chuvosa de agosto... faz bem pros nervos.




Alea jacta est


"Chove em Washington esta noite. Uma chuva de verão pesada e quente, que tinge as calçadas com pintas de leopardo". Alan Moore

Não é exatamente Washington. A noite ainda não chegou. O clima é invernal e não existem calçadas em torno para serem tingidas. Porém, a chuva é uma constante. Ela e o sentimento melancólico de supressão que este pequeno fragmento de Alan Moore faz transparecer. Um sábado chuvoso de inverno. Uma paisagem lúgubre. Nada melhor do que uma psicose.


"O que tens essa manhã, ó musa de ar magoado?
Teus olhos estão cheios de visões noturnas,
E vejo que em teu rosto afloram lado a lado
A loucura e a aflição, frias e taciturnas."
A Musa Doente, Charles Baudelaire

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